Programação Senciente

Um estudo em Inteligência Artificial

      II - Bases Biológicas - avaliações funcionais

   "Tudo é dor.

    E toda dor vem do desejo de não sentirmos dor."

                                             Renato Russo
 

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Nota de Abertura

Os próximos parágrafos descrevem observações, conclusões e teorias resultantes de pesquisas efetuadas ao longo de vários anos, a respeito do comportamento e aspectos funcionais de criaturas vivas, inclusive humanos. NÃO TEM a intenção de explicar a totalidade da mecânica do cérebro. Apenas apresenta idéias, próprias ou de outros, que formam um conjunto de modelos funcionais suficientemente estruturado para permitir sua replicação em sistemas sencientes.

 

Evolução por adições

Há quase 150 anos atrás, em 1859, o naturalista Charles Darwin publicou sua obra intitulada "A origem das espécies", resultado de observações efetuadas durante sua jornada de 5 anos a bordo do H.M.S. Beagle. A forma mais simples de entender suas conclusões é que as formas de vida mantém entre si semelhanças, estruturais e, conseqüentemente, funcionais, ficando as diferenças por conta de adaptações bem-sucedidas ao meio-ambiente. Por mais distintas que pareçam, dão a entender que as mais sofisticadas seriam evoluções, ou acréscimos às mais simples, na forma de novas habilidades ou recursos. Somente as linhas evolucionárias adequadas se mantém. A arqueologia está repleta de evidencias das que não lograram bons resultados. A diferença entre o genoma de um humano e o de um chimpanzé é somente de 4%, e ambos eram a mesma criatura (ancestral comum), há algo entre 4 e 6 milhões de anos atrás.

Cem anos mais tarde, em 1952, o Dr. Paul S. MacLean, médico, psiquiatra e pesquisador (Phelps, NY - 1913), da Escola Médica de Yale, publica um trabalho a respeito do "Cérebro Trino", no qual conclui que o cérebro humano é montado em camadas, uma sobre a outra, tendo ao centro o que chamou de "Complexo Reptiliano", ou um cérebro de répteis, exatamente como os existentes atualmente em crocodilos, por exemplo. Sobre essa camada, o "Cérebro Mamífero", mais sofisticado, similar aos do restante deste grupo. E, por cima de todos eles, o Neocortex, a camada que distingue tanto os humanos quanto os símios mais avançados do restante dos animais.

Mesmo nas sofisticadas mentes humanas, todos os impulsos primitivos continuam presentes. Se espetamos ou queimamos um dedo, o arco reflexo que nos faz mover a mão funciona exatamente como o das bactérias. Nossos instintos mais básicos, de busca de alimentação e reprodução também estão presentes nos répteis mais primitivos de hoje. Quando buscamos a companhia de outros, nos comportamos exatamente como nossos parentes próximos, os símios, em suas relações interpessoais.

Na natureza, o 3 não é diferente do 2 ou do 1, mas o engloba, ficando o 3 = 2 + 1, assim como o 2 = 1 + 1. Não se descarta uma estratégia funcional que deu certo. Acrescentá-se novas funções e recursos à ela.

Nas profundezas da mente humana, a pequena bactéria monocelular continua viva e agitando-se a cada nova sensação.

 

Mecanismo Sensorial

Ao se pensar em mecanismos sensoriais, ou "sensibilidade", o tato vem logo à mente, apesar de todos os outros sentidos operarem de forma análoga.

Neste, sensores especializados, localizados sob a camada queratinizada da pele (camada rija, formada em sua maioria por células mortas, cheias de queratina, que cria uma película protetora), detectam "sensações" para as quais foram desenvolvidos. Corpúsculos de Paccini para estímulos vibráteis e táteis, Discos de Merkell para sensibilidade tátil e de pressão, terminações nervosas livres, indicadoras de estímulos mecânicos, térmicos e dolorosos, Corpúsculos de Meissner para sensações táteis em áreas sem pelos, Bulbos terminais de Krause, para sensações de frio. Mesmo entre as sensações dolorosas, há distinções. Um trabalho recente (David D McKemy, Department of Biological Sciences, Neurobiology Section and School of Dentistry. University of Southern California), indica que terminações conhecidas como "transient receptor potential" TRPM8, podem ser as causadoras da sensação de dor causada pelo frio, abaixo de determinadas temperaturas, próximas a 15 graus centígrados.

Todos estes "sensores", especializados como forem, operam de forma parecida. Quando ativados, disparam um sinal eletroquímico ao longo do axônio, que trafega por alterações do equilíbrio sódio/potássio da parede do mesmo, até sua terminação. A partir dali, substâncias especializadas chamadas de "neurotransmissores", são despejadas no líquido cefalorraquidiano. Estas substâncias são codificadas como mensagens específicas de dor, prazer, relaxamento, tensão e dezenas de outras. Elas emergem de bolsões especiais, localizados no neurônio pré-sináptico. Cada tipo de neurotransmissor é criado por um tipo específico de neurônio.

A sinápse é o espaço entre dois neurônios, e a quantidade ou velocidade da emissão do neurotransmissor (num cérebro adulto, algo como 2.000 à 5.000 moléculas são despejadas em 1 milissegundo), assim como a disponibilidade de receptores no neurônio seguinte (chamado de pós-sináptico), induz quimicamente o último a disparar novamente uma corrente como a inicial. Somente uma parte pequena dos neurotransmissores é assimilada pelo pós-sináptico (por volta de 10%). O restante ou é recapturado pelo emissor, ou trafega com o fluxo do líquido, podendo disparar outros neurônios (com receptores apropriados à eles), ou é finalmente filtrado e eliminado na urina (vários outros aspectos influenciam nesse mecanismo, como por exemplo a presença e quantidade de inibidores dos mesmos).

Portanto, UM MESMO SINAL ELÉTRICO de intensidade X e freqüência (repetição) Y será interpretado, como um afago, caso se propague ao longo do axônio de um Disco de Merkell ou Corpúsculo de Meissner, mas será entendido como uma DOR se percorrer o corpo de uma terminação nervosa livre.

Entre todas as informações recebidas, a de DOR é a mais significativa, e a que causa reações mais imediatas e abrangentes.

 

Dor

Nenhuma função é mais importante para toda e qualquer forma de vida do que a auto-preservação pois, afinal, por mais egocêntrica que uma tal afirmação pareça, tudo, no Universo, deixa de existir junto conosco.

Portanto, faz mais que sentido que a imensa maior parte das entidades biológicas conhecidas, de bactérias à pessoas, tenham desenvolvido mecanismos que lhes permitam dar-se conta de ameaças à sua integridade física. Chamamos a isso de "dor".

Sabe-se hoje que mesmo organismos tão simples como monocelulares, possuem sensores que lhes permitem detectar ambientes hostis, como ácidos presentes em seu meio ambiente, sendo eles adaptados à meios mais básicos. Há relatos de mudanças no perfil de polígrafos especialmente adaptados, de vegetais fisicamente ameaçados. Em muitas das formas de vida mais simples, a "dor", ou informação de ataque à integridade física, dispara um procedimento automático para evitá-lo, através de um mecanismo chamado de "arco-reflexo".

Este mesmo mecanismo está presente e ativo nos modernos seres humanos. A constância com que encontramos sistemas  funcionalmente similares indica que o mesmo foi bem sucedido o bastante para manter sua existência, proliferar e evoluir.

Assim como são disparados pela dor, os modelos de comportamento desenvolvidos para evitá-la devem receber uma indicação da cessação da mesma. Uma vez que a agitação bacteriana a leve até águas mais claras, a informação de ameaça deixa de ser recebida, e a agitação é comandada a cessar. Tem-se neste comando a estrutura primitiva do prazer (alívio).

Entretanto, por melhor e mais eficiente que seja, o mecanismo da dor é limitado à existência de um ataque, seja ambiental ou por outra entidade. Se alguém ameaçar um dragão de Komodo, o resultado mais provável é sofrer um ataque (geralmente fatal), do mesmo. Mas caso se consiga perfurar sua couraça, eles reagem à dor e fogem. Falta-lhes a capacidade de ANTEVER cenários de possíveis ameaças. Falta-lhes uma evolução do mecanismo da dor.

Falta-lhes o medo.

 

Medo

Objetos perfurantes podem nos causar danos. Fogo pode nos causar danos. Entretanto, a dor causada pelos mesmos só pode ser sentida quando já estão presentes à nossa volta, e agindo em nossa destruição. Nesse momento, a informação pode ser excessivamente tardia.

Por isso, a natureza premiou esforços na construção de recursos adicionais ao mecanismo do medo. Recursos de prevenção, recursos que analisam e avaliam a situação à volta, e tornam-se ativos quando a combinação dos eventos percebidos indica a possibilidade de surgimento de dor. Se objetos perfurantes causam danos, aprende-se a detectá-los à distância, e mantê-los assim. Se fogo nos causa dor, aprendemos a reconhecer seus primeiros indícios, e nos afastamos ao primeiro cheiro de fumaça ou sons crepitantes na mata.

Aprendemos a ter medo. Desenvolvemos o medo.

O Professor Stanislav Grof, (Praga, antiga Checoslováquia, 1931), um dos fundadores da psicologia transpessoal (junto com Timothy Leary e Ralph Metzner da Universidade de Harvard), atribui ao medo a propriedade de ser o primeiro sentimento de identificação do "eu", na forma da primeira experiência humana, após a vida intra-uterina, no momento do parto.

Sob essa ótica, medo é a manifestação da identificação de um possível cenário de dor (e, conseqüentemente, de auto-destruição), conforme registrado e testado anteriormente. Conseqüentemente, reagimos à ele de forma muito semelhante à que reagiríamos à dor em si. O medo é decorrente de uma análise, adicional e independente, executada sobre as informações percebidas de dor, bem como sobre as que a antecedem ou cercam, visando um melhor nível de proteção. Sendo eficazes nessa análise, evitamos situações que, quando percebidas pela dor, já seriam desastrosas. É a capacidade de PREVER situações que levem à dor.

Um exemplo simples disso é um experimento de laboratório chamado "elevated plus maze test" (teste de labirinto elevado em cruz), no qual uma plataforma é erguida até 1m de altura, e 4 hastes em ângulos retos são estendidas a partir dela, em direção às saídas. Duas das hastes contam com barreiras de proteção contra quedas ao longo de suas extensões. As outras duas, não. Ratos colocados sobre a plataforma, em sua maioria, optam pelas hastes protegidas para abandonar a plataforma. Entretanto, se drogas supressoras de ansiedade são administradas aos animais, eles partem igualmente por quaisquer delas.  

Sendo o medo o resultado de uma camada de entendimento adicional à da dor, este também herda (e desenvolve), o prazer sentido por sua cessação. Levar um susto que nos cause medo põe-nos às vias de ações evasivas ou agressivas. A percepção de sua cessação ou falsa identificação de perigo potencial nos causa prazer (talvez por isso montanhas-russas ou trens-fantasmas ou filmes de terror sejam tão populares).

 

Ansiedade

"A palavra ansiedade tem origem no termo grego anshein, que significa "estrangular, sufocar, oprimir". O termo correlato, angústia, origina-se do latim angor que significa "opressão" ou "falta de ar", e angere quer quer dizer "causar pânico". Essas palavras latinas derivam da raiz germânica angh, indicando "estreitamento ou constrição". Todos esses termos se referem, metaforicamente, à experiência subjetiva característica da ansiedade.

Biologicamente, a ansiedade pode ser definida como é um estado emocional, ligado à percepção de determinados contextos ambientais (lugares, pessoas, atividades, etc.) que são comparados à vivência anterior (memória) e que ativam sistemas cerebrais específicos, com função adaptativa (sucesso do indivíduo). (Gray,1987) "

Laboratórios Roche - informações sobre o sistema nervoso central - definições de ansiedade.

 

Adicional, e mais sofisticada que o mecanismo do medo, a ansiedade lida com possibilidades percebidas. Valendo-se dos mesmos exemplos anteriores, o som do crepitar das labaredas e o cheiro da fumaça, presenças que indicam a possibilidade da dor pelo fogo, podem ser detectados também muito tardiamente, quando já se esta cercado por ele. Sob muitas circunstâncias, o medo não fornece uma antecipação vantajosa o suficiente sobre o perigo eminente. Dai, mais uma evolução ou acréscimo se faz necessário.

Passa-se a se dar conta de que ESTAR numa floresta põe-nos numa situação na qual os ELEMENTOS AMBIENTAIS presentes POSSIBILITAM o início de um incêndio. Por lidar com possibilidades, avaliações probabilísticas também influenciam o resultado final, conseqüência direta do conhecimento disponível sobre o ambiente como um todo. Se sei muito pouco a respeito de incêndios florestais, o simples fato de me encontrar em meio à mata pode me deixar ansioso.

Numa escala progressiva, temos então:

a) Dor => um leão ESTÁ MORDENDO minha perna AGORA

b) Medo => VEJO um leão que pode vir a me morder

c) Ansiedade => ESTOU nas savanas africanas, aonde ENTENDO que hajam leões à solta, que PODEM vir a se aproximar

O mesmo conceito de progressão possibilita experiências mais sofisticadas do mecanismo da dor, como a apreensão, que sinto por receber uma nova oferta de emprego na África.

O ponto mais importante em relação à esse conceito é que à exceção da experiência da DOR, informação sensorial direta de uma experiência presente, TODAS as outras camadas baseiam-se em INTERPRETAÇÕES realizadas a partir dos MODELOS REPRESENTACIONAIS que criamos da realidade. Se modelo incorretamente (atribuo ao meu gato doméstico a mesma ferocidade dos leões), reajo à sua visão com o MESMO MEDO que teria de um grande felino selvagem. Se interpreto incorretamente (entendo que a presença ou ausência de jaulas é irrelevante), fujo de leões de zoológico.

Na escala das ansiedades e apreensões, a evolução do prazer alcança a forma do conceito de segurança, e sua busca, sob as mais diversas conotações pelas quais possa ser entendida, consome a grande maior parte das vidas humanas da atualidade.

 

Arquétipos

Não nascemos vazios de informação, como uma página de papel em branco, sobre a qual será escrita a história de nossa vida. Já sabemos muito ao nascer. Desde camadas muito primitivas no organismo, com informações sobre como movimentar braços e pernas, respirar e digerir alimentos, até dados mais sofisticados, úteis apenas à níveis superiores de interpretação, como a capacidade de reconhecer um rosto ou um seio, estamos cheios de informações.

O Dr. Joseph Campbell, considerado um dos maiores especialistas em mitologia do mundo, catedrático do Sarah Lawrence College, em Bronxville, NY, explica o conceito de "arquétipos" através de 2 exemplos espantosamente simples, na sua conhecida série "As Mascaras de Deus":

"Tartarugas eclodem de ovos postos na praia por suas mães, que há muito se foram. Cavam até a superfície, olham a terra, olham o mar, e se dirigem apressadamente para o último. Não havia nenhuma tartaruga adulta por perto, para lhe mostrar o que é o mar. Tão pouco alguém para lhe dizer que se apresse, pois há predadores nesse trajeto. Estes conhecimentos já estavam embutidos nela.

Jovens pintinhos nascidos e criados cativos em galinheiros fogem da imagem de uma pipa em forma de falcão, mesmo sem nunca terem visto um em suas vidas. Mesmo sem animais adultos que os instruíssem. Mesmo sem a experiência de um ataque. Eles reconhecem seu predador natural. Já o conhecem ao nascer. "

Enquanto nossos terminais sensores saboreiam o que se passa na realidade à nossa volta, as informações obtidas são direcionadas ao cérebro, onde sofrem um processo de reconhecimento e conceitualização. Uma determinada combinação de impulsos nervosos é conceitualizada como "cachorro", ou "arvore", ou "frio", e assim por diante. Na seqüência, o conceito é contextualizado, recebendo um significado.

Portanto, novamente considerando o processo efetuado em camadas, temos:

1) Identificação e Conceitualização : 0,2A no nervo 1 E 0,4A no nervo 2 = "cachorro"

2) Semiótica : "cachorro" + "babando" + "correndo em minha direção" = MAL (e, portanto, MEDO e CORRER).

Arquétipos são conhecimentos que já possuímos ao nascer, e que nos auxiliam na interpretação da realidade circundante, viabilizando a vida biológica como a conhecemos. Como quaisquer informações, há desde as mais simples e necessárias ao funcionamento básico do organismo (como movimentar um braço, por exemplo), até as mais sofisticadas (medo do escuro). Todas elas operando nos níveis de conceitualização, semiótica ou cognitiva primária e, portanto, em sua grande maior parte, fora do alcance da mente consciente.

 

Além da dor - conceituação e contextualização

Toda a nossa experiência sensorial é, antes de mais nada, traduzida em conceitos. É conceituada ou conceitualizada.

Em 1909, um neurologista alemão chamado Korbinian Brodmann publicou um trabalho pelo Instituto de Pesquisas do Cérebro, em Berlim, no qual distingue uma região que veio a ser conhecida como Áreas de Brodmann ou visual córtex primário, o qual em conjunto com outras áreas detectadas posteriormente (chamadas de "V"n, como V2, V3, etc), são especializadas no reconhecimento dos padrões visuais. Portanto, um determinado grupo de estímulos é recebido pelos sensores (visuais, nesse caso), reconhecidos e depois associados a conceitos com os quais se pode trabalhar. Processos semelhantes são utilizados para quaisquer formas de recepção nervosa.

Deste ponto em diante, nossos processos baseiam-se no conceito e não mais na informação sensorial (o que nos torna facilmente iludíveis, uma vez que pode-se simular estimulações falsas que, uma vez conceituadas como tal, passam a fazer os mesmos efeitos que faria a presença ou existência real do estímulo).

Portanto, seqüencialmente, temos: (1) Sensação, (2) Reconhecimento, (3) Conceituação

O reconhecimento de algo distinto se dá pela repetição de padrões sensoriais semelhantes a ele (ou seja, a primeira vez em que vejo um navio, não sei do que se trata, mas após vários deles, mesmo que não se receba informações sobre o que são, identifica-se uma entidade "X", com aparência (proporções sensoriais), semelhantes. Posteriormente, passa-se a atribuir características à entidade percebida, como nome, por exemplo (no caso de humanos; já para gatos caseiros, atribui-se conceitos como "ruim, dói, saia correndo", à combinação sensorial identificada como "cachorro").

Em alguns casos, as atribuições já vem prontas à mente, bastando a identificação visual (reconhecimento por arquétipo). Em outros, utilizamos mecanismos para "descobrir" características que possam ser associadas à entidade (pesquisa, conhecimento, experimentação), com isso complementando as informações do conceito ao qual o estimulo corresponde, até um ponto que cada um considere satisfatório. Em seu famoso livro "2001 - Uma odisséia no espaço", de 1968, Sir Arthur Charles Clarke descreve, logo ao início, uma cena na qual um obelisco, monolítico, liso e negro surge do nada, de um dia para o outro, logo à entrada de uma área rochosa na qual um pequeno grupo de primatas semi-humanóides vivia. Estes se espantam e fogem a princípio, mas aos poucos voltam, aproximam-se, gritam para o objeto desconhecido (que não reage), tocam-no e ao final passam a dar pequenas mordidas nele. Ao final, satisfazem-se com o conceito formado de "grande, preto, liso, frio, não nos come, não serve para comer", dão-lhe as costas e voltam aos seus afazeres diários. Podemos apreciar o mesmo processo acontecendo com animais domésticos ou crianças pequenas no nosso dia-a-dia. Ou em nós mesmos, ao nos depararmos com algo "novo-e-desconhecido". Desejo de fuga imediata (ou seus correlatos como choro, por exemplo), fortemente baseado nos mecanismos primários de reconhecimento de dor. Depois a percepção de não-ameaça, depois curiosidade que leva à exploração e conceitualização, até um nível que nos satisfaça.

A mesma ligação que nos faz correr do "novo-e-desconhecido", os princípios básicos de reconhecimento e interpretação de dor, fazem com que os resultados da aproximação e experimentação sejam também interpretados em camadas. Após a conceituação de um conjunto de estímulos, o próximo passo é sua avaliação no conjunto de conceitos circundantes, ou contextualização.

O conceito "piano", quando visto sobre um palco, forma um contexto (piano + sobre-o-palco), que deve evocar lembranças espetaculares em muitos de nós. Entretanto, esse mesmo conceito (piano), visto em trajetória descendente sobre nossas cabeças numa via pública forma um contexto (piano + caindo-na-minha-cabeça), de significado completamente diferente. Sob essa ótica, a capacidade de contextualização torna-se tão importante, evolutivamente, quanto o desenvolvimento do mecanismo de detecção e prevenção à dor. É a mesma mecânica, e aplicada da mesma forma, ao que parece ser algo distinto da dor, mas que na verdade é uma evolução dela (evitar que o piano caia sobre minha cabeça, por exemplo). Apenas que, no desenvolvimento da análise das informações sensoriais, executada em camadas, conforme exposto acima, as vezes detectamos cenários (ou contextos), que acabam por nos servir de forma distinta. Adquirimos novos conhecimentos, pelo mesmo mecanismo, que não se referem à dor ou auto-preservação.

Recapitulando então, passamos a ter : (1) Sensação, (2) Reconhecimento, (3) Conceituação, (4) Contextualização

A semelhança ao mecanismo de interpretação e prevenção de dor não é gratuita. É o mesmo mecanismo. A única diferença é que, as vezes, durante sua execução, depara-se com "coisas que não nos comem, nem servem para comer", mas que ficam aprendidas. Ficam conceituadas e contextualizadas e, a medida que nosso conhecimento sobre elas (atribuição de qualidades), aumenta, cresce também nosso conhecimento sobre o mundo circundante.

A atribuição de qualidades funcionais, acrescida de avaliações emocionais (gosto, não gosto, dá medo, tenho raiva), qualitativas (bom, ruim, atraente), e preditivas ("x" aqui e agora indica que em meia hora....), pode ser entendida como a atribuição de "significados". Por volta de 1880, Charles Sanders Peirce, filósofo, cientista e matemático publicou textos sobre o que ele chamava de "a teoria geral dos signos", e que veio posteriormente a ser chamada de "semiótica", sobre a qual ele disse:

       "A semiótica é um saber muito antigo, que estuda os modos como o homem significa o que o rodeia..»

Portanto, processos semióticos (atribuição de significados, ou significação), são aplicados tanto durante a conceituação quanto na contextualização. Os elementos identificados e conceituados tem significados intrínsecos, e outros que variam de acordo com o cenário no qual ocorrem.

Podemos organizar as camadas de entendimento numa hierarquia de combinações, como a seguir:

  1. Sensibilidade - capacidade de detectar modificações no ambiente circundante

  2. Identificação - capacidade de registrar proporções entre os sinais recebidos dos mecanismos sensores, e armazená-los de forma que suas recorrências possam ser percebidas, identificando assim uma "entidade". O surgimento de uma entidade num dado ponto do tempo é reconhecido como um "evento"

  3. Conceituação - associação, à entidade percebida, de atributos percebidos como pertencentes à ela. Significação intrínseca

  4. Contextualização - avaliação do conjunto de conceitos percebidos, e sua "eventualização" (ocorrência simultânea), num dado cenário. Significação contextual

Uma sucessão de eventos no tempo, dado que seja repetitiva e com características semelhantes (conceituação), passa a ser identificada como um período, também recebendo significados. Uma dada sucessão de períodos passa a ser identificado como um ciclo. Uma sucessão de ciclos, como um ambiente. Uma combinação de ambientes, como o entendimento da realidade circundante.

Nossa forma de conhecimento é baseada em repetições e previsibilidades. É sobre essas características que passamos a agir sobre o ambiente, fazer planos e ter idéias. Nossa estrutura mental é inútil se imersa em um ambiente completamente caótico, onde nada se repete ou é previsível. A falta de previsibilidade ameaça diretamente o conhecimento. A própria definição clássica de "conhecimento", originada em Platão, diz que ele consiste de "crença verdadeira e justificada". São créditos (valores), dados à algo (acreditar = crer), que são verdadeiros (significação correta) e justificados. Não se pode dar crédito justificado à algo que ocorreu uma única vez.

 

Endogramas de memória ("memory engrams")

O termo "memory engram", traduzido aqui como endogramas de memória, é definido como

"Uma alteração física que se crê que ocorra em tecidos nervosos vivos em resposta à estímulos, e posicionado como uma possível explicação para memória" (http://www.answers.com/topic/engram).

Durante o processo de aquisição de conhecimento, diversos relacionamentos qualitativos e não diretamente constantes no conhecimento são criados. Quando se pergunta "qual a fada amiga de Peter Pan", o nome "Sininho" vem imediatamente à mente (pelo menos, daqueles que gostavam de histórias infantis de aventura). "Qual a fada" é uma questão a respeito do membro de uma classe (fadas), indexado por um elemento externo ("Peter Pan"), que relaciona as duas informações. Este relacionamento é criado durante o processo de aquisição do conhecimento sobre algo, e, portanto, intrínseco a ele.

 

Mentes masculinas x mentes femininas

A reprodução sexuada provou ser uma forma bem sucedida de evolução de espécies, até por permitir a combinação de materiais genéticos distintos, corrigindo falhas e, ocasionalmente, propiciando saltos evolucionários significativos. Tanto que essa é a forma reprodutiva das espécies mais desenvolvidas do planeta. Dada a sua importância, a criação dos gêneros também interfere diretamente nos modelos mentais dos membros de cada um dos dois.

O mecanismo de reprodução sexuada distingue duas funções básicas, executadas no nível celular. Um de busca e competição. Outro de oferta e escolha. O espermatozóide foi criado de forma a competir. Movimentar-se mais rapidamente, localizar mais depressa, atingir sua meta antes e mais fortemente que os outros milhões. O óvulo anuncia sua presença, guia os caçadores até ele, depois, ao ser tocado simultaneamente por todos, detecta e aceita o melhor deles, fechando-se à todos os outros.

Portanto, é inevitável que tais funcionalidades influenciem os organismos de cada gênero, cada um a seu próprio modo.

O raciocínio masculino visa objetivos. Para isso, divide a realidade entre coisas relevantes e não relevantes. O que importa e o que não, o que "tem-a-ver" e o que não. Analisa separadamente cada parte. Entende seus relacionamentos através de pequenos passos, pois desse determinismo nascem estratégias que permitam subjugar a realidade e atingir suas metas. Vale-se de critérios de relevância circunstancial percebida (o que é percebido como importante para uma dada circunstancia). Vale-se da Lógica, processo que estabelece a relação de causa e efeito entre eventos. Que conecta os eventos segundo um conjunto de regras conhecidas. Além da função reprodutiva, esse modelo também mostra-se bastante útil na vida cotidiana, quando o macho parte em busca da caça para a família (a exceção dos leões, onde é a fêmea quem caça, fazendo do mesmo o precursor dos bon-vivants).

Já o raciocínio feminino não divide, não compartimenta. Absorve toda a realidade segundo a segundo, conforme ela se apresenta. Num primeiro momento, o modelo feminino teve de decidir, quase que instantaneamente, por apenas um entre os milhares de caçadores que a cutucavam. Isso exige absoluta abertura à todos os estímulos externos (para não excluir um possível melhor deles). Isso exige a atenção constantemente voltada ao que seus sentidos lhe diziam a cada momento. Sua forma de pensar é holística.

Uma família muda-se para uma nova casa, num bairro no qual um vizinho possui um cachorro, que ocasionalmente resolve latir de uma forma um pouco distinta da habitual. A mãe registra o fato de que quando esse cachorro late dessa forma, chove. Por isso, mesmo sem se dar conta do por que, na mesa do café, quando seus ouvidos detectam o latido, ela manda os filhos levarem suas capas e guarda-chuvas para a escola.

As mulheres SÃO lógicas, no sentido de que suas idéias e frases podem ser conectadas ao contexto por um conjunto de regras conhecidas. Entretanto sua forma de captar e interpretar a realidade é diferente. As vezes, a relação de causa e efeito é tão longa, ou elas mesmas não se dão conta de qual foi a causa inicial. Por isso, ao invés de se darem ao trabalho de explicar o que sabem em termos masculinos preferem fazer cara de mistério e falar em intuição feminina ou materna.

Qual a melhor forma ? As duas juntas. A precisão e definição de regras e grupos do raciocínio masculino torna-o melhor na busca de objetivos, o que é vital para a existência. A abrangência e sensibilidade do modelo feminino torna-o infinitamente superior na detecção de ameaças ou na percepção de relações antes desconhecidas.

 

Tanaaq, Zitkala e Iza

Tanaaq é uma jovem de seus 20 anos, pequena e arredondada como é típico em seu povo, os esquimós. Sentada sobre uma pedra com vistas à geleira, ela maneja habilmente sua faca de limpar couro, uma de suas atribuições. O grupo de caça ao qual pertence está feliz hoje, o que é raro. O clima terrível de sua região os faz enfrentar a morte quase diariamente. Pequenos erros, pequenas distrações podem ser fatais. Mas hoje é um de seus poucos dias de festa. Ontem, os caribus voltaram em sua rota migratória de começo do inverno, e a caça foi farta. Após tantos meses de imensas dificuldades, mortes e sofrimento, Tanaaq e seu povo estão felizes. Os caribus trouxeram consigo, mais uma vez, a esperança da sobrevivência ao longo do implacável inverno. Trouxeram a esperança de um novo ano a seu povo.

Zitkala pertence à tribo Sioux, e habita o centro-oeste do território norte-americano. Assim como Tanaaq mais ao norte, Zitkala e sua tribo também está feliz. Os búfalos selvagens caçados na véspera, dos quais seu povo depende tão desesperadamente, também voltaram como os caribus. O inverno será bom esse ano, e sua tribo também irá festejar amanhã.

Já Iza nasceu entre os Tuaregs do deserto (tribo cujo nome significa "abandonados por Deus"). Sua vida, assim como a de suas irmãs do outro lado do mundo, é uma luta constante contra a morte, que no seu caso, assume a forma do grande deserto. Iza não conhece os caribus ou os búfalos selvagens, nem o frio do extremo norte ou a primavera no centro-oeste americano. Sua luta diária é contra a escassez de água (o que suas irmãs não entenderiam, pois vivem cercadas dela). Mas Iza também está feliz hoje. O líder de sua tribo entrou em acordo com a tribo vizinha, que possui um poço permanente, o que vai lhe facilitar muito os dias. Amanhã ela também festeja. Não uma festa anual, como as outras, mas também muito importante.

Tanaaq, Zitkala e Iza, apesar das enormes distâncias e diferenças que as separam, tem pontos em comum. São mulheres que sofrem diariamente a luta pela sobrevivência, junto com seus povos. Isso as faz conscientes da enorme importância de suas atividades, do conhecimento e sabedoria dos mais velhos que as guiam. Suas faces serenas denotam maturidade e conhecimento. Respeito pelas tradições de suas tribos significa a diferença entre vida e morte. Elas conhecem seus lugares no mundo, e sentem-se seguras quanto a eles. Sabem de sua importância, seu papel, seu significado. Normalmente, suas vidas difíceis permitem muito pouco espaço para sonhos ou alegrias, para relaxamento e felicidade. Mas amanhã será um bom dia para todas elas.

A felicidade que sentem vem do alívio, momentâneo mas importante, de sua luta pela sobrevivência diária. É tão real e sólida quanto seus medos diários e, por isso, envolta em grande importância e significado.

Em outras partes do mundo, outras irmãs não vivem assim. Não encontram tanta dificuldade em manterem-se vivas até a primavera, ou até o próximo poço no deserto. Encontram-se cercadas de alimento, segurança e proteção por todos os lados, e em imensas quantidades. E não festejam por isso. Um leão dificilmente entrará num apartamento para devorar alguém, como aconteceu ao irmão de Iza (a menos, é claro, que você viva na Florida), nem se perderia numa tempestade para nunca mais voltar, como o tio de Tanaaq. Mas elas não festejam.

O que nos mantém humanos e dá significado aos bens e recursos, o que nos faz felizes, é o convívio e a vitória, apesar de momentânea, sobre as ameaças da vida diária. É um pequeno alivio, um dia ao longo de cada ano, no qual podemos relaxar, conversar com os amigos, dançar e contar histórias.

O excesso de recursos, a abundância e segurança quase permanentes tiram de si mesmas seu sentido. Não mais nos fazem felizes como deviam. Nossos sentidos, preparados para a luta e preservação de seu grupo, tornam-se entorpecidos. Somente quando da ocorrência  de grandes desastres voltamos a ser nós mesmos. Voltamos a entender a vida. Tudo à volta adquire solidez, significado e importância. Voltamos a entender a importância de um outro ao nosso lado. Nos encontramos novamente.

As simulações de "luta pela vida", que criamos nas sociedades modernas são percebidas como tais. Não são necessárias, não são reais. Fabricamos, continua e artificialmente, ameaças à nós mesmos, numa tentativa vã de voltarmos a desfrutar da felicidade dos Inuit.

O tédio, a melancolia, a solidão, a falta de sentido ou gosto pela vida, tudo desaparece instantaneamente em face à uma grande catástrofe. Antes dela seguimos sem rumo, em meio à segurança e abundância que nos proporcionamos.

Um ponto positivo deve ser colocado em relação à abundância: ela pode muito bem ter sido o fator determinante no desenvolvimento das ciências, como as conhecemos hoje. Lidando diariamente com questões de sobrevivência, nossos antepassados dispunham de muito pouco tempo para observações outras, que não as diretamente ligadas aos seus afazeres principais. Uma vida mais segura, na qual se pudesse "gastar tempo" com outros assuntos, influencia positivamente a busca de novos conhecimentos, ou o melhor entendimento dos já obtidos. Sob essa ótica, a abundância e a segurança nos tornaram o que somos. Resta-nos agora aprender a lidar com isso.

 

Infância, adolescência e maturidade - a aquisição de experiência

O cheiro ou visão de um predador perigoso imediatamente dispara reações nos animais adultos pondo-os em fuga. As crias mais novas são levadas ou empurradas pelo grupo. Alguns dos filhotes mais novos ficam e correm o risco de serem devorados. Um piloto experiente ao comando de um jato ajusta tranqüilamente os controles de sua aeronave enquanto ultrapassa uma zona tempestuosa e turbulenta. Já um aprendiz, sentado no banco atrás do mesmo, torna-se nervoso e, as vezes, pode ter um "branco" que simplesmente impeça qualquer atitude sua. A esse domínio sobre como reagir rapidamente às diversas situações de uma área, chamamos de "maturidade ou "experiência.

Se cada adulto tivesse que "repensar" suas atitudes e respostas à cada situação que a ele se apresentasse, um diálogo ou evento normais levariam meses. O único motivo pelo qual isso não acontece é que cada ser vivo adquire "experiência" durante sua formação, já tem respostas pré-definidas para os eventos do mundo. Já criou modelos comportamentais que são acionados imediatamente por seus eventos correspondentes. Literalmente, agimos "sem pensar".

Isso representa uma vantagem no lido de diversos dos afazeres diários, e uma desvantagem na adaptação às mudanças do ambiente. Se agirmos "como sempre foi feito" sempre, corremos o risco de nossas reações não mais se adequarem à situação, e "morremos" por nossa própria rigidez.

Entretanto, mudar nossa experiência não é tarefa fácil. Exige todo um novo ciclo de apreensão de informações, avaliações semióticas, análises e conclusões, até a criação dos novos modelos. E isso sem a plasticidade mental dos primeiros anos, ou a despreocupação dos intermediários. Talvez dai o ditado "não se ensina truques novos à cachorro velho". Enrijecemos, física e mentalmente, com o tempo. Num mundo de mudanças lentas isso é apropriado. Já à rapidez dos últimos tempos, isso apresenta problemas, e sérios. Tornamo-nos inadequados e ultrapassados "depressa demais". O mundo muda mais depressa que o ciclo de uma existência. E, apesar de todos os progressos, ainda não se descobriu formas de se retornar, efetivamente, ao início dela.

Manter-se pensando o tempo todo, efetivamente considerando cada situação como se apresenta é algo bastante cansativo. As reações automáticas são mais fáceis. Entretanto, para um ambiente em constante mutação como o que criamos, pode ser a única verdadeira saída. Optar, definitivamente, pela racionalidade.

 

Várias inteligências

O mesmo processo utilizado para adquirirmos conhecimento sobre o processamento do medo, quando aplicado à entradas sensoriais diferentes, gera novamente toda uma camada de inteligência a respeito das mesmas. No sistema nervoso há sensores específicos para, por exemplo, controlar o posicionamento e equilíbrio do corpo. Ao nascer, não sabemos "como" fazer isso de forma correta. Com tempo, na medida em que conhecimentos são adquiridos a respeito disso, esta "inteligência física" se desenvolve, e passamos a responder apropriadamente aos estímulos recebidos.

Assim como no caso anterior, esta forma de inteligência desenvolve-se baseada em conceitos pré-definidos (arquétipos), como por exemplo, a informação de que devemos andar eretos sobre os membros inferiores. E desenvolve-se até um ponto de acomodação ou satisfação. Para alguns, o simples fato de se locomover e permanecer parados sem cair é suficiente. Para outros, esta inteligência é desenvolvida até o ponto de produzir bailarinos e atletas.

Desta forma, é valido se supor que as diversas inteligências, obtidas através do processo descrito acima, devem ser também objetos de avaliação, como entradas sensoriais, por outras inteligências "centralizadoras", num processo hierárquico que culmine num centro único de tomada de decisão para todo o organismo.

Uma boa indicação da quantidade de diferentes processos inteligentes necessários seria uma relação de doenças neurológicas que afetem o indivíduo funcionalmente. Um exemplo típico é a prosopagnosia, ou cegueira para feições, situação na qual o indivíduo perde a capacidade de reconhecer objetos ou faces de pessoas. Isso indica que para a construção de um sistema artificial equivalente, ao menos uma "inteligência reconhecedora de faces", seria necessária (entre as inúmeras outras apuráveis por esta lista).

 

Consciência(s)

Um dos maiores mistérios relacionados ao funcionamento da mente humana é o da consciência. Aparentemente uma função à parte das restantes, capaz de se "desligar" funcionalmente, do restante do que conhecemos ou chamamos de "EU", e analisá-lo.

Pesquisas recentes conduzidas por vários especialistas (Horace Barlow, Nick Humphrey, David Premack e Marvin Minsky, entre outros), indicam que este fenômeno pode ser decorrente de mecanismos necessários à atividade social (ou seja, só surgem em animais que vivam em sociedade).

Um excelente trabalho a este respeito é o recente artigo do Dr. V.S. Ramachandran, chamado "A Neurologia da Auto-consciência" (inglês), publicado pela revista Edge em 22/01/2007 (seqüência de 2 outros artigos anteriores, sendo o primeiro anuncio de suas descobertas publicado quase 6 anos antes).

Suas pesquisas baseiam-se na observação (via fMRI - Functional Magnetic Ressonance Imaging), de um grupo de células que operam como "neurônios-espelho" (localizados no lobo frontal), e o princípio é até bastante simples: um determinado comportamento em uma pessoa desencadeia (conforme observado no fMRI), uma seqüência de ativações neurônicas. Certas áreas específicas são excitadas em determinada ordem. Entretanto, quando se aplica o mesmo fMRI à uma pessoa que está apenas OBSERVANDO este dado comportamento, muitas das mesmas áreas ativadas correspondem às daquela que o executa. As grandes diferenças ficando por conta da falta da ativação (física, por exemplo), por não se estar efetivamente sentindo ou executando a atividade, e pela participação dos neurônios-espelho, que iniciam o processo excitatório.

Segundo essas pesquisas, os neurônios-espelho surgiram das necessidades do convívio social. Eles "espelham" em nós mesmos as reações (e, portanto, obtendo possíveis explicações), do comportamento alheio. Entendemos os outros através da internalização dos processos decorrentes de suas atividades (mas com diferenças baseadas nas nossas próprias modelagens).

O processo de ver-e-fazer é facilmente observável em comunidades de animais sociais, como primatas e golfinhos. No caso de primatas, há formas evoluídas disso, como no caso de pequenas frutas vermelhas. Tais frutinhas existem em grande variedade, várias das quais são venenosas. Dai, espera-se que um indivíduo a consuma e, se estiver bem após isto, o restante do grupo também passa a consumi-las.

Entretanto, a teoria do Dr. Ramachandran é que nos humanos os neurônios-espelho, surgidos originalmente para observar o "lado-de-fora", evoluiu também para observar o lado de dentro. Da mesma forma que são capazes de "simular" ou "interpretar" o que se passa com outra pessoa, podemos "observar" o que se passa em nós mesmos (o mecanismo é o mesmo, havendo somente uma mudança no foco de sua observação).

Desta forma, sob sua ação, nos damos conta do que estamos sentindo ou pensando, como uma entidade em separado.

O nível de consciência se reduz a medida em que cai a freqüência cerebral, conforme observada em um EEG. A faixa BETA (15-35 HZ), é associada ao estado desperto (consciente). As faixas inferiores, como ALFA (8-13 HZ), THETA (4-8 HZ) e DELTA (0-4 HZ), incluem estados de sono (leve ou profundo), e sonhos. Um trabalho dos gêmeos Fingelkurts (Andrew e Alexander; Brain Operational Architetonics - Brain and Mind, 2001, V.2, No. 3. P. 261-296), correlaciona mudanças abruptas nos padrões de ondas cerebrais com operações mentais conscientes. Um ponto interessante a ser lembrado aqui é que um neurônio leva por volta de 1mS para disparar (despolarizar), e um outro mS para retornar ao estado de repouso, que somados implicam em 2mS de período, e 500 Hz de freqüência, o que soaria como algo entre uma nota SI na quarta oitava e um DÓ na quinta escala. Portanto, as variações detectadas são causadas por uma presença maior de atividade, e não pela variação das freqüências em si.

Uma outra teoria, que sugere um estado chamado de "metaestabilidade dinâmica" (J. A. Scott Kelso, 1995; Bressler & Kelso, 2001), no qual as áreas funcionais independentes do cérebro (responsáveis por processamento de visão, linguagem, respostas somáticas, etc), tornam-se mutuamente dependentes e passam a se interoperar de forma sistêmica.

Combinando as 2 linhas de pesquisa acima, entendo que estados de inconsciência sejam aqueles nos quais cada área opera em níveis menores de atividade neuronal, por isso, apresenta-se como uma baixa freqüência global. Quando requisitadas pelos neurônios-espelho, as áreas se interconectam, enviando e recebendo informações pré-processadas, o que exige maiores níveis de atividade (indicação de freqüência mais alta), que trafegam o cérebro até elas, formando um conjunto temporário (consciência), mantido até que o propósito desejado tenha sido atingido. As variações na faixa BETA indicando uma maior ou menor atividade global a ser exigida por topologias metaestáveis, conforme a necessidade do momento.

Entendo que ligações metaestáveis diferentes se formem para necessidades distintas, gerando assim estados de alerta distintos para cada ocasião, podendo até dar lugar ao surgimento de mais de uma simultaneamente.